China usa exportações de minerais estratégicos como trunfo em nova fase da guerra comercial com os EUA

Pequim restringe envio de terras raras, essenciais para tecnologias de ponta, e atinge setores cruciais da indústria americana

Foto: Pedro Pardo/AFP

Em meio a uma escalada das tensões comerciais entre China e Estados Unidos, Pequim impôs novas restrições à exportação de minerais de terras raras, elementos cruciais para a fabricação de produtos de alta tecnologia, como smartphones, carros elétricos, aeronaves e equipamentos militares. A medida é considerada uma resposta direta às recentes tarifas “recíprocas” de 34% impostas pelo governo de Donald Trump sobre produtos chineses.

A decisão chinesa, anunciada em 4 de abril, exige que empresas obtenham aprovação do governo para exportar sete tipos de minerais e seus produtos derivados, como ímãs permanentes de alto desempenho. O impacto foi imediato: remessas de ímãs destinados a pelo menos cinco empresas americanas e europeias foram suspensas, gerando incertezas nas cadeias de suprimentos globais.

“É a China mostrando que pode exercer um poder econômico incrível sendo estratégica e cirúrgica, atingindo a indústria americana exatamente onde dói”, afirmou Justin Wolfers, professor de economia e políticas públicas da Universidade de Michigan.

Domínio chinês sobre a cadeia produtiva

Embora os Estados Unidos possuam reservas de terras raras, o processo de extração e, principalmente, de refino desses minerais é dominado quase integralmente pela China. Segundo a Agência Internacional de Energia, o país asiático é responsável por 61% da produção mundial de terras raras mineradas e por impressionantes 92% da capacidade de refino global.

Esses elementos – um grupo de 17 metais – são abundantes na natureza, mas difíceis de processar de forma econômica e ambientalmente segura. É essa etapa que consolidou a vantagem chinesa na última década, combinando mão de obra barata, investimentos massivos em P&D e tecnologias adquiridas do Ocidente.

“Grande parte da tecnologia que eles trouxeram foi desenvolvida aqui nos EUA, no Japão ou na Europa. E com o tempo, fizeram melhorias nela”, explicou Stan Trout, fundador da consultoria Spontaneous Materials.

Impactos imediatos e desafios para o Ocidente

A súbita imposição de restrições pegou as empresas ocidentais de surpresa. “Há muita confusão do lado deles. Precisam de esclarecimentos sobre o que é necessário para obter as licenças de exportação”, disse John Ormerod, fundador da consultoria JOC. Ele afirmou ainda que as exportações de terras raras pesadas — 98% controladas pela China — foram as mais afetadas.

O CEO da USA Rare Earth, Joshua Ballard, alerta que os estoques desses materiais são escassos nos EUA: “Literalmente essas exportações estão sendo suspensas. Esta é a melhor jogada da China. Eles não têm muita influência em tarifas, mas certamente têm aqui”.

Contexto estratégico e histórico

A atual ofensiva chinesa com o uso de recursos minerais remonta à visão estratégica cultivada desde o fim dos anos 1970. Em uma visita histórica em 1992 a um centro de produção de terras raras, o líder Deng Xiaoping afirmou: “Enquanto há petróleo no Oriente Médio, a China tem terras raras”.

Décadas depois, a previsão se confirma. Pequim não apenas lidera a produção como também controla a cadeia de valor, tendo investido sistematicamente em tecnologia, automação e infraestrutura de refino. O resultado é um domínio quase absoluto, contra o qual o Ocidente luta para reagir.

Em 2010, a China já havia utilizado esse mesmo poder ao interromper as exportações de terras raras ao Japão por quase dois meses, durante uma disputa territorial. No fim de 2023, Pequim também proibiu a exportação de tecnologias de extração e separação desses minerais aos EUA.

Estados Unidos tentam recuperar o tempo perdido

Desde 2020, o governo americano começou a investir em iniciativas para desenvolver uma cadeia de suprimentos doméstica, mas o avanço tem sido lento. O Departamento de Defesa dos EUA já liberou mais de US$ 439 milhões para o setor, e há planos ambiciosos para estabelecer uma produção autossuficiente até 2027.

A startup Phoenix Tailings, de Massachusetts, é uma das poucas empresas que desenvolvem soluções ambientalmente sustentáveis para o refino desses minerais. Seu CEO, Nicholas Myers, afirmou que a empresa pretende ampliar a produção de 40 para 400 toneladas métricas por ano com uma nova planta em New Hampshire.

Outro projeto promissor é o da USA Rare Earth, que está construindo uma fábrica no Texas com capacidade para 5.000 toneladas de ímãs de terras raras por ano. A empresa também possui um depósito rico em minerais pesados no oeste do estado, incluindo todos os listados na nova restrição chinesa.

Ainda assim, há gargalos. “A questão é: como fazemos isso mais rápido? Precisamos desbloquear o que temos e construir o mais rápido possível”, disse Ballard.

Limitações globais e dependência crítica

A escassez de alternativas fora da China é um dos principais desafios para os EUA e seus aliados. Embora existam reservas em países como Austrália e Canadá, as cadeias logísticas, a infraestrutura de refino e a capacitação técnica ainda estão em desenvolvimento.

A dependência americana da China para 70% das importações de compostos e metais de terras raras entre 2020 e 2023, segundo o Serviço Geológico dos EUA, ilustra o grau de vulnerabilidade.

Thomas Kruemmer, da Ginger International Trade and Investment, explica que as novas restrições afetam não apenas os minerais puros, mas também ligas e produtos que contenham esses elementos em qualquer proporção. “Muitas exportações agora caem sob este sistema de licenciamento”, diz ele.

Corrida tecnológica e geopolítica

O uso estratégico das terras raras reforça o caráter multifacetado da disputa entre China e Estados Unidos, que transcende as tarifas e atinge o núcleo da hegemonia tecnológica. A capacidade de fabricar produtos de ponta — desde carros elétricos a armamentos sofisticados — está diretamente vinculada ao acesso estável a esses minerais.

Nesse cenário, Pequim dá um recado claro: mesmo sem capacidade de igualar os EUA em termos de tarifas, pode controlar um recurso essencial para o futuro industrial do planeta.

Enquanto isso, a resposta americana, embora tardia, começa a ganhar corpo. Se terá força para desafiar o domínio chinês, só o tempo dirá. Mas uma coisa é certa: a guerra comercial de 2025 não se travará apenas com tarifas, mas com blocos cinzentos de elementos que parecem simples — e que valem ouro.

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