Empresa dos EUA usa engenharia genética e ‘ressuscita’ lobo extinto há mais de 10 mil anos

Filhotes foram criados em laboratório a partir de DNA antigo e edição genética; iniciativa desperta entusiasmo científico, mas também críticas éticas e ambientais

Foto: Divulgação

Em um anúncio que parece ter saído diretamente de um roteiro de ficção científica, a empresa americana Colossal Biosciences afirmou nesta semana ter conseguido gerar os “primeiros animais deextintos do mundo”: três filhotes de lobo-terrível (Aenocyon dirus), uma espécie extinta há mais de 10 mil anos. A informação foi divulgada pela companhia nas redes sociais e acompanhada por vídeos que mostram os jovens animais — de pelagem branca, porte robusto e uivos longos — em uma área de preservação não revelada nos Estados Unidos.

O feito, anunciado na última segunda-feira (7), reacende um debate científico e ético global: é possível — e correto — “ressuscitar” espécies extintas?

O retorno do lobo-terrível

A Colossal Biosciences descreve o projeto como um marco histórico, tanto para a ciência quanto para a preservação da biodiversidade. Os três animais — batizados de Rômulo, Remo e Khaleesi — foram produzidos a partir de engenharia genética, utilizando fragmentos de DNA extraídos de fósseis datados de até 72 mil anos.

A empresa iniciou o processo ao sequenciar o genoma de dois espécimes do lobo-terrível, um dente encontrado em Ohio com 13 mil anos e parte de um crânio de Idaho com 72 mil anos. Com base nesses dados, os cientistas identificaram genes compatíveis com os do lobo-cinzento (Canis lupus), espécie ainda viva e considerada o parente mais próximo disponível para servir de base no experimento.

Como os lobos foram recriados?

Com o DNA do lobo-cinzento em mãos, os pesquisadores realizaram um trabalho de edição genética utilizando a tecnologia Crispr, uma ferramenta moderna que permite a modificação precisa de trechos do genoma.

Foram feitas 20 alterações em 14 genes específicos, com o objetivo de replicar traços típicos do lobo-terrível: estrutura óssea mais larga, músculos desenvolvidos, cabeça maior, ombros mais robustos e vocalizações diferenciadas.

O núcleo das células modificadas foi então inserido em um óvulo cujo núcleo original havia sido removido. Esse óvulo foi cultivado até se tornar um embrião e implantado no útero de uma cachorra doméstica, que serviu como barriga de aluguel. A gestação ocorreu de forma natural, e os primeiros filhotes nasceram em outubro de 2024.

Segundo a empresa, os três lobos são mantidos em uma reserva privada e protegida, com acesso restrito, e não há planos imediatos de soltura na natureza ou de reprodução entre eles.

Objetivos e controvérsias

A Colossal defende que o projeto tem motivação conservacionista e busca combater a atual crise de extinção em massa de espécies causada pela ação humana e pelas mudanças climáticas. Para os pesquisadores da empresa, recriar espécies extintas seria uma forma de “reparar” danos ambientais do passado e fortalecer o equilíbrio dos ecossistemas.

“Essa é uma forma de dar uma retribuição à natureza”, argumentou a cientista Beth Shapiro, uma das líderes do projeto, em entrevista à revista Time. Ela defende que, assim como o ser humano provocou o desaparecimento de inúmeras espécies, agora tem o dever de tentar restaurá-las com as ferramentas da ciência moderna.

A proposta, no entanto, enfrenta críticas contundentes da comunidade científica. O paleogeneticista Nic Rawlence, da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, questiona a nomenclatura usada pela Colossal. “Eles dizem que recriaram um lobo-terrível, mas o que fizeram foi gerar um híbrido com características visuais semelhantes”, afirmou em entrevista à BBC News.

Rawlence também ressalta que o lobo-terrível pertence a um gênero diferente do lobo-cinzento e que, mesmo com 99,5% de similaridade genética, o 0,05% restante equivale a mais de um milhão de pares de bases — uma diferença relevante no universo da biologia molecular.

Lobo-terrível ou apenas uma cópia moderna?

Outro ponto sensível no debate é a definição do que constitui uma espécie. A Colossal sustenta que os filhotes recriados possuem as características morfológicas — físicas e comportamentais — do lobo-terrível e, portanto, são legítimos representantes da espécie.

No entanto, para especialistas como Rawlence, o que foi produzido é, na prática, um organismo geneticamente modificado a partir do lobo-cinzento, com algumas adaptações estéticas. “Chamar isso de lobo-terrível é uma simplificação exagerada”, criticou.

Impacto ambiental ainda é incerto

Apesar do entusiasmo da empresa, a reintegração de espécies extintas à natureza levanta sérias questões ecológicas. Predadores como os lobos precisam de vastos territórios, presas adequadas e interações sociais complexas — elementos que foram profundamente alterados nos últimos 10 mil anos.

Introduzir uma espécie extinta em um ambiente moderno pode causar desequilíbrios ecológicos imprevisíveis, além de colocar em risco outras espécies que hoje vivem nessas áreas. Por ora, os lobos recriados permanecem sob observação e controle, o que também desperta dúvidas sobre o real alcance do projeto.

Próximos projetos: mamute, dodô e lobo-da-tasmânia

A Colossal Biosciences também tem projetos em andamento para tentar “deextinguir” outras espécies, como o mamute-lanoso, o dodô e o lobo-da-tasmânia. Segundo a empresa, cada um desses projetos representa um desafio biológico diferente e exige técnicas específicas de engenharia genética.

A empresa americana afirma que suas ações são motivadas por uma visão de futuro em que a biotecnologia pode reparar parte do impacto negativo humano no meio ambiente e abrir novas fronteiras para a preservação da vida no planeta.

Mas o dilema permanece: é essa a solução para preservar a biodiversidade ou um caminho perigoso que pode ter efeitos colaterais imprevisíveis?

A resposta, por ora, permanece dividida entre entusiastas da biotecnologia e críticos da interferência genética em espécies extintas.

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