Milhares de indígenas ocupam Brasília para exigir demarcação de terras e barrar avanço do Marco Temporal

Acampamento Terra Livre reúne 200 povos e protesta contra mineração, agronegócio e retrocessos ambientais em ano de COP30 no Brasil

Foto: Agência Brasil

Mais de 10 mil indígenas de todas as regiões do Brasil se reúnem, entre os dias 7 e 11 de abril, no 21º Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, para defender seus direitos originários, denunciar retrocessos legislativos e reforçar a urgência da demarcação das terras indígenas. A mobilização, que acontece no espaço da Funarte, é organizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e reúne cerca de 200 povos diferentes.

Com o lema “A resposta somos nós: em defesa da Constituição e da vida”, a edição deste ano reforça o posicionamento dos povos indígenas contra o Marco Temporal, a exploração de mineração em terras demarcadas, os impactos do agronegócio e a omissão do governo brasileiro nas negociações internacionais sobre o clima.

Marco Temporal volta ao centro do embate no STF

Principal alvo das críticas dos indígenas, a tese do Marco Temporal foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2023. Contudo, uma nova lei aprovada no Congresso Nacional reintroduziu a proposta, gerando insegurança jurídica e indignação entre as lideranças. O tema retornou ao STF, onde o ministro Gilmar Mendes decidiu abrir uma mesa de conciliação entre as partes envolvidas.

Essa tentativa de conciliação, no entanto, foi rechaçada pelos indígenas. “O movimento indígena definiu que estar nesse espaço era validar o que o Gilmar Mendes estava propondo, e uma das propostas era a mineração em territórios indígenas, o que sempre fomos contra. Nossos direitos não são negociáveis”, afirmou Marciely Tupari, coordenadora secretária da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

Segundo a liderança, o movimento indígena não reconhece a legitimidade da mesa de negociação proposta pelo STF, por entender que ela pode abrir brechas para legalizar atividades nocivas nos territórios indígenas. “A gente tem exemplo do impacto que a mineração traz para dentro dos territórios e dos nossos rios, como ocorre com os Yanomami e os Munduruku”, completou.

Viagens longas e resistência ancestral

Muitos dos participantes enfrentaram longas jornadas para participar da mobilização. A indígena Andrea Nukini, de 44 anos, viajou quatro dias de ônibus desde a aldeia do povo Nukini, em Mancio Lima (AC), até Brasília. “A nossa luta nunca acaba, porque a gente nunca tem o território totalmente nosso e demarcado. Era para todos nós termos nossos territórios demarcados, como manda a Constituição há mais de 35 anos. Mas isso não acontece”, afirmou.

No ATL, além das manifestações políticas, os participantes também promovem atividades culturais, oficinas e comercialização de artesanatos, mantendo vivas as línguas e tradições de seus povos. Ao todo, o Brasil possui 274 línguas indígenas, evidência da diversidade e riqueza cultural dos povos originários.

COP30 e as vozes indígenas no debate climático

O ATL 2025 também busca integrar a pauta indígena à agenda ambiental global, em especial à COP30, que será realizada em Belém (PA), em novembro deste ano. O movimento pretende apresentar uma NDC indígena (Contribuição Nacionalmente Determinada), alternativa ao documento oficial apresentado pelo governo brasileiro, que segundo as lideranças, ignora os impactos do agronegócio nas mudanças climáticas.

“A gente está se articulando para fazer, por exemplo, uma NDC indígena, para se contrapor à NDC que o governo lançou na COP do ano passado”, explicou Marciely Tupari. Para ela, é fundamental que os povos indígenas participem diretamente da formulação das metas climáticas do Brasil, especialmente considerando que são os maiores protetores dos biomas nacionais.

Atualmente, o Brasil se comprometeu a reduzir em 53% as emissões de gases de efeito estufa até 2030, mas movimentos indígenas e ambientalistas questionam a viabilidade da meta diante do avanço de atividades predatórias como o garimpo, a pecuária extensiva e a monocultura.

Resistência contra o agronegócio e projetos de lei hostis

O ATL também tem foco em barrar o avanço de projetos de lei que colocam em risco os direitos indígenas. A principal preocupação é o agronegócio, que vem pressionando pela liberação de terras indígenas para produção agrícola e pecuária.

Os povos originários denunciam o que consideram uma aliança política entre o Congresso e setores econômicos interessados na exploração dos territórios tradicionais. A resistência a esses interesses é tratada como uma questão de sobrevivência. “Nossos direitos não são moeda de troca. O que está em jogo é a nossa existência, a proteção da floresta e o futuro do planeta”, destacou a liderança da COIAB.

Convivência e protagonismo indígena em Brasília

Durante os cinco dias de programação, o Acampamento Terra Livre terá debates, rodas de conversa, protestos, feiras de produtos indígenas, apresentações culturais e articulações com parlamentares e organismos internacionais. O espaço da Funarte se transformou em uma pequena aldeia urbana, com barracas, redes, pintura corporal e cantos em diversas línguas originárias.

A expectativa é que a mobilização resulte em maior visibilidade para as pautas indígenas e pressione os poderes públicos por avanços concretos. “A gente está aqui para lembrar que a Constituição está do nosso lado. Nós somos os guardiões da terra. A nossa luta é por justiça e por respeito”, afirmou Andrea Nukini.

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