Investigação aponta que agentes cobravam propina de MCs e empresários para não apurar crimes ligados à exploração de jogos de azar

Foto: Divulgação / PF
Uma operação conjunta da Polícia Federal (PF), do Ministério Público Estadual e da Corregedoria da Polícia Civil prendeu, nesta sexta-feira (25), quatro policiais civis do 6º Distrito Policial de Santo André, na Grande São Paulo. Os agentes são suspeitos de cobrar propina de MCs, empresários e donos de produtoras de funk em troca de não investigarem a realização de rifas ilegais promovidas nas redes sociais.
As prisões ocorreram no âmbito da terceira fase da Operação Latus Actio, que teve início em 2021 e investiga os laços entre artistas do universo do funk e integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). A nova etapa da operação também cumpriu cinco mandados de busca e apreensão em imóveis nas cidades de Santo André, Mauá e São Paulo.
Segundo o Ministério Público, as investigações começaram a partir da apreensão de celulares na primeira fase da operação, deflagrada em março de 2024. As mensagens recuperadas dos aparelhos revelaram um esquema de extorsão em que os policiais exigiam pagamentos para ignorar a prática ilegal de jogos de azar — como as rifas online promovidas por influenciadores e artistas do gênero funk.
“Os elementos de prova reunidos mostram que esses agentes públicos se aproveitaram da função para obter vantagem financeira indevida, ameaçando e coagindo empresários e artistas”, afirma um trecho do relatório da Polícia Federal.
Conexão com o crime organizado
A origem da operação remonta a um inquérito instaurado em 2021, quando a PF começou a investigar a ligação de produtores do meio do funk com o PCC. O grupo criminoso teria usado esses canais para lavar dinheiro oriundo de atividades ilícitas como agiotagem e exploração de loterias clandestinas.
Ao longo das fases anteriores da Latus Actio, 16 pessoas foram indiciadas por crimes como organização criminosa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, exploração de jogos ilegais e crimes contra a ordem tributária. Um investigador do 6º DP de Santo André chegou a ser preso ainda na segunda fase, realizada em dezembro de 2024. Outro policial foi afastado das funções, e até um delegado foi alvo de mandado de busca e apreensão.
Funk, redes sociais e rifas ilegais
Um dos pontos centrais da investigação é o uso das redes sociais por influenciadores e MCs para promover rifas não autorizadas. Essas práticas, que se multiplicaram nos últimos anos, chamaram a atenção de autoridades pela falta de regulamentação e pela conexão com atividades criminosas.
As rifas ofereciam desde carros de luxo até motocicletas e prêmios em dinheiro. Em muitos casos, os sorteios ocorriam sem qualquer autorização legal, o que caracteriza crime de exploração de jogos de azar, previsto no artigo 50 da Lei das Contravenções Penais.
“Em vez de combater o crime, os policiais civis extorquiam aqueles envolvidos, criando uma rede de proteção mediante pagamento de propina”, conclui a investigação.
Posicionamento da SSP
Em nota oficial, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que está apoiando a operação conduzida pela PF e pelo MP e destacou que os policiais alvos da ação são lotados no 6º DP de Santo André.
“A Secretaria tem compromisso com a legalidade e transparência e não compactua com desvios de conduta de seus agentes, punindo exemplarmente aqueles que infringem a lei e desobedecem aos protocolos estabelecidos”, diz o comunicado.
A pasta reforçou que as ações contra os agentes seguem os princípios do devido processo legal e que eventuais objetos apreendidos serão encaminhados para análise da Polícia Federal.
Desdobramentos judiciais
Os quatro policiais presos nesta sexta-feira responderão inicialmente por corrupção passiva, crime que prevê penas de 2 a 12 anos de prisão, além de multa. Os investigadores não descartam novos desdobramentos, já que os materiais apreendidos nas buscas podem revelar novos elementos sobre a extensão do esquema.
Além dos policiais, empresários e artistas envolvidos nas rifas ilegais também podem ser responsabilizados, caso fique comprovada a participação consciente no esquema de pagamento de propina ou na ligação com o crime organizado.
Cultura e criminalidade
O caso revela um cenário delicado envolvendo a cultura do funk e sua popularização nas redes sociais. Embora o estilo musical tenha ganhado reconhecimento artístico e espaço na mídia tradicional, a falta de regulação em torno da monetização digital — como rifas, sorteios e promoções — abriu brechas para a atuação de criminosos.
Investigadores ressaltam, no entanto, que nem todos os artistas envolvidos tinham conhecimento do esquema. Em muitos casos, a relação com os policiais acontecia sob ameaça velada ou coação direta. “Era pagar ou ser alvo de investigação”, afirmou um dos promotores envolvidos no caso, sob anonimato.
A operação segue em andamento, e os materiais apreendidos nesta nova fase serão periciados. A expectativa é que novas denúncias sejam apresentadas nos próximos meses.