Grupo jurídico aciona tribunal nos EUA e afirma que o ex-presidente ultrapassou sua autoridade ao impor tarifas unilaterais sobre dezenas de países

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O governo do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, voltou ao centro de uma polêmica jurídica e política após a imposição de uma nova rodada de tarifas comerciais. Desta vez, a ofensiva não vem de um país estrangeiro retaliando as medidas, mas sim do próprio território americano: o Liberty Justice Center, organização de defesa legal, entrou com uma ação no Tribunal de Comércio Internacional, alegando que Trump excedeu sua autoridade constitucional ao estabelecer as tarifas.
A ação foi protocolada nesta segunda-feira (14), em nome de cinco empresas norte-americanas importadoras de produtos oriundos de países afetados pelas tarifas. Segundo a organização, o ex-presidente teria violado a separação de poderes ao agir de maneira unilateral em temas de competência do Congresso.
“Ninguém deveria ter o poder de impor impostos com consequências econômicas globais tão vastas”, afirmou Jeffrey Schwab, conselheiro sênior do Liberty Justice Center. “A Constituição confere o poder de definir as alíquotas — incluindo tarifas — ao Congresso, não ao Presidente.”
Tarifas unilaterais e escalada com a China
O centro da controvérsia está no anúncio feito por Donald Trump no último dia 2 de abril. Na ocasião, o ex-presidente — que ainda tem grande influência política e não esconde seus planos para voltar à Casa Branca — declarou uma série de tarifas “recíprocas” sobre países parceiros dos Estados Unidos. Ao todo, 185 economias foram impactadas, com tarifas inicialmente fixadas entre 10% e 50%.
Apesar de o governo norte-americano ter adiado a aplicação das taxas mais elevadas para permitir que países afetados renegociem os termos, a exceção foi a China. Para produtos chineses, Trump impôs uma tarifa inicial de 34%, levando Pequim a retaliar na mesma medida.
O embate entre as duas maiores economias do mundo escalou com rapidez. As taxas recíprocas chegaram a 125%, e, somadas a outras tarifas anteriormente impostas por Trump, os produtos chineses passaram a enfrentar uma alíquota total de 145% para ingressar no mercado norte-americano.
Abertura para renegociações
No discurso que acompanhou o anúncio das tarifas, Trump afirmou que a medida não seria definitiva. “Queremos tarifas recíprocas, mas estamos abertos a negociações justas”, declarou. A decisão de manter as tarifas em 10% — exceto para a China — foi, segundo o ex-presidente, uma forma de “dar tempo aos países de se aproximarem dos Estados Unidos para discutir novos acordos”.
No entanto, o Liberty Justice Center questiona não apenas o conteúdo das tarifas, mas a forma como foram impostas. O argumento central da ação é de que qualquer alteração tributária com impacto externo deve ser aprovada pelo Congresso. “O presidente não pode agir como legislador”, disse Schwab.
Repercussões econômicas e políticas
A nova rodada de tarifas já provoca impactos em diversos setores da economia americana. Importadores alegam aumento de custos, incertezas regulatórias e dificuldade de manter contratos com fornecedores estrangeiros. Alguns analistas do mercado financeiro comparam a atual política de tarifas à complexidade do sistema tributário brasileiro, considerado um dos mais onerosos do mundo.
Segundo reportagem do Wall Street Journal, as novas tarifas estão “aproximando os EUA do caos burocrático enfrentado por países como o Brasil, onde o sistema de importação é travado por taxas e regras que mudam com frequência e sem aviso”.
O analista econômico Gregory Williams, da Money New, vê na decisão de Trump uma aposta política de alto risco. “Ele tenta se posicionar como o protetor da indústria americana, mas pode acabar punindo o próprio consumidor com aumentos de preços e escassez de produtos”, avaliou.
Brasil entre os afetados
Embora o Brasil esteja entre os países afetados pelo chamado “tarifaço”, especialistas apontam que o impacto pode não ser necessariamente negativo. Para alguns setores, como o de commodities agrícolas, pode haver espaço para ganho de mercado diante da disputa EUA-China.
“É possível que produtos brasileiros, como soja e carnes, ganhem competitividade relativa. Mas também há riscos, especialmente para indústrias que dependem de insumos importados dos EUA ou que exportam para o país”, afirma a economista Ana Paula Vieira, da Fundação Getúlio Vargas.
Possíveis desdobramentos jurídicos
A ação movida pelo Liberty Justice Center pode abrir caminho para uma reavaliação do escopo do poder presidencial nos Estados Unidos. Embora seja comum que presidentes adotem medidas emergenciais em momentos de crise econômica ou política, o uso recorrente de ordens executivas para questões tributárias tem gerado preocupação entre juristas e parlamentares.
“Estamos diante de uma disputa que pode redefinir os limites entre os poderes Executivo e Legislativo. Não é apenas sobre tarifas, mas sobre o equilíbrio institucional nos Estados Unidos”, disse o professor de Direito Constitucional da Universidade de Columbia, Mark Feldman.
Caso o Tribunal de Comércio Internacional considere que Trump extrapolou sua autoridade, o precedente pode limitar futuras ações de presidentes em áreas tradicionalmente reservadas ao Congresso, como política fiscal e comercial.
Trump reage com ironia
Em entrevista a um canal conservador americano, Trump ironizou a ação judicial. “Agora virou moda processar tudo o que faço. Talvez eles preferissem tarifas chinesas vencendo os americanos”, disse, ao ser questionado sobre a medida.
Embora não tenha aprofundado a resposta, fontes próximas ao ex-presidente informaram que sua equipe jurídica está preparada para enfrentar o caso nos tribunais e que acredita que a ação não deve prosperar.